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terça-feira, 5 de setembro de 2017

20 Anos de 'POP': as lembranças da turnê Popmart


Quando a parte central do palco da turnê PopMart foi levantada pela primeira vez, em Las Vegas, em abril de 1997, causou consternação entre alguns dos habitantes da cidade.
O projeto do palco foi uma brincadeira conceitual sobre a invasão da cultura do consumo.
A maior tela do mundo era um painel de vídeo de 45 metros com 21 mil circuitos integrados, 1 milhão de leds e fiação suficiente para religar a cidade de Montreal, por exemplo.
O cenário incluía também um arco amarelo M brilhante de 30 metros de altura, uma azeitona de 4 metros de altura iluminada, colocada sobre um palito de dentes de 30 metros de altura e um limão de 10 (do qual surgia a banda para cada bis. Em Oslo, o dispositivo não funcionou).
Algo fantástico, mas, infelizmente, não à prova d'água. No 13º dia de shows do U2, os céus se abriram, e diante de 40 mil pessoas no RFK Stadium, de Washington, cerca de 100 mil pixels, os pontinhos eletrônicos que compõem a imagem da tela, entraram em curto e pararam de funcionar.
Mas as atividades normais foram rapidamente retomadas, e as caretas de Bono continuaram sendo ampliadas na tela de 15 metros de altura.
Inclusive, no show de Boston, todos puderam contemplar um traseiro gigantesco quando um dos fãs, quase sem roupa, se tornou o centro do espetáculo durante a invasão do palco programada para a interpretação de "Miami".
Da mesma maneira que o cenário, as imagens que apareciam na tela refletiam a homenagem da PopMart à estética pop art. Havia um tributo a Andy Warhol em um tipo de desfile com ícones pop já falecidos.
E um dos principais artistas do movimento, Roy Lichtenstein, até apareceu no show do mês seguinte em Nova York para ver a sua sequência de acidente de avião, exibida como pano de fundo durante a interpretação de "Bullet The Blue Sky" (Bono até chamou a atenção do mestre, anunciando um "OK, Roy, é agora" logo antes da sequência).
O repertório estabelecido permaneceu praticamente o mesmo durante todo o ano de 1997 e 1998.
Originalmente, foram incluídas dez músicas de 'POP'. Mais tarde, o número caiu. "The Playboy Mansion" foi a única música que nunca foi cogitada para ser tocada no show.
Quem comprou ingressos porque 'Rattle And Hum' era o disco do U2 de que mais gostava, certamente ficou desapontado.
A única licença para improvisação parece ter sido concedida a Edge, no seu karaokê de todas as noites no começo da turnê. Infalivelmente, ele arrasou com os maiores clichês musicais de todos os locais onde a banda se apresentou.
Entre as músicas que receberam um toque especial e pessoal estão: "All Kinds Of Everything", em Dublin (uma antiga música de um concurso da Eurovision, interpretada por Dana, candidata à presidência da Irlanda); "New York, New York" (muito óbvio) e "San Francisco (Be Sure To Wear Some Flowers In Your Hair)", óbvio mais uma vez.
PopMart não foi o primeiro show em que U2 colocou tanta ênfase no espetáculo.
Durante a Zoo TV, sua turnê anterior, quando a banda estava mais interessada em colocar um espelho diante da loucura da aldeia global do que em imitar o canal de compras, eles ridiculizaram o cabaré erótico incansável da cultura televisiva, tocando sob uma pilha de monitores que apresentavam flashes como "Everything You Know Is Wrong" entre transmissões de TV ao vivo decodificadas de todas as partes do mundo.
Deixaram clara a ideia de que a televisão era a "Igreja do Envenenamento da Mente" e, obviamente, a MTV adorou cada minuto.
Bono, entretanto, ocupava-se em fazer a interface entre política, pizza e música pop ligando para a Casa Branca (George Bush não quis atender suas ligações!) e pedindo 10 mil pizzas quatro-queijos para viagem, para o público na Flórida.
No entanto, a diversão perdeu a graça quando no Wembley Stadium, na Inglaterra, Bono conversou ao vivo, em uma conexão via satélite, com uma garota da Bósnia, na cidade em ruínas de Sarajevo. O sofrimento dela era tão palpável - e mesmo intelectualizando a coisa, como Bono fez, sobre a ligação entre a Zoo TV e o Dadaísmo e o Surrealismo- que foi impossível sair do show sem se sentir culpado por ter pago para utilizar como diversão o sofrimento de outra pessoa.
Talvez seja essa a razão de que na turnê PopMart o U2 tenha optado por fazer chegar sua música ao coração do público e também à sua mente. Talvez a banda tenha começado a se cansar de ter que ser sempre irônica e inteligente; ou talvez eles gostassem da sua música pop e queriam continuar com ela.
Seja como for, o U2 estava se dando o luxo de admitir que sempre houve um lado sério em sua música, apesar de estar sempre escondido atrás da cortina de fumaça da autoparódia.
Essa foi a razão do vídeo que constituiu um tributo improvisado ao polonês Lech Walesa, durante a interpretação de "New Year's Day" no Hippodrome, em Varsóvia, em 12 de agosto; da decisão de Edge de deixar de lado o karaokê para interpretar uma versão solo de "Sunday Bloody Sunday", em Sarajevo; do grito de guerra de Bono na mesma Bósnia: "Viva Sarajevo! Foda-se o passado! Viva o Futuro!" e da inevitável interpretação de "Miss Sarajevo" pela única vez durante a turnê; e da dedicação de "MLK" à memória da princesa Diana, na noite seguinte a sua morte.
Isso não significou um retorno aos dias de hastear bandeiras brancas em Red Rock. E por que eles iriam fazer isso, agora que podiam ir ao MTV Europe Awards com o "sem destino" Dennis Hopper em sua limusine? Agora que o guru beat Allen Gingsberg aparecia nos lançamentos dos discos deles e dizia que as músicas eram "um alto expoente da poesia"? Agora que podiam usar como base para sua turnê nos EUA um hotel cinco estrelas em Miami Beach e olhar Helena Christensen tomar sol na piscina e George Clooney jogando basquete na sombra?
Naquela época da bandeira branca, Bono apresentaria "Sunday Bloody Sunday" com as palavras: "Esta não é uma música de protesto" ("This is not a rebel song"). Na Popmart, Bono mostrava sua versão de "Suspicious Minds" dizendo: "Esta não é uma música de protesto... é uma música de Elvis".
Em Belfast, Bono dedicou a música a todas as pessoas envolvidas no processo de paz na Irlanda. Provavelmente, ele é o único de todos os superastros do rock que é capaz de fazer parecerem tão eficazes gestos bastante espalhafatosos e sem sentido.
Mas será que a banda conseguiu mudar alguma coisa?
Antes do concerto na Bósnia, os trens entre Mostar e Sarajevo funcionaram pela primeira vez desde a guerra.
Pode não ser muito, mas não foi tão ruim para uma banda que percorre o mundo fingindo não ter mais importância do que um Big Mac com fritas.
Como Bono declarou ao jornal britânico 'Independent on Sunday': "Quando os nossos filhos lerem sobre o genocídio que aconteceu tão próximo de nós durante os anos 90, ao menos poderemos dizer que fizemos alguma coisa".

Folha de São Paulo Especial - São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 1998.
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