PARA VOCÊ ENCONTRAR O QUE ESTÁ PROCURANDO

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Capítulo do livro 'O Psicopata Americano', se passa em show do U2 - Parte II

No livro 'Psicopata Americano', Bret Easton Ellis explora a maldade e a insanidade da violência.
Patrick Bateman vive entre os jovens descolados da Manhattan dos anos 80. Jovem, bonito, e bem educado. Um serial killer que de dia faz fortuna em Wall Street.
Três capítulos inteiros são dedicados à música [Huey Lewis and The News, Whitney Houston e Genesis] e vários outros parágrafos à Mike and The Mechanics, Talking Heads, Les Miserables e U2; onde Bateman tem um delírio no show da banda irlandesa e acredita que Bono pode ver dentro dele.


Leia o capítulo do livro onde o U2 é citado. Ele foi dividido em duas partes:

PARTE II

O show já está rolando há uns vinte minutos talvez. Detesto música ao vivo mas todos à nossa volta estão de pé, os gritos de aprovação concorrem com a zoeira que sai das imensas muralhas de alto-falantes empilhados acima de nossas cabeças. O único verdadeiro prazer que tenho em estar aqui é ver Scott e Anne Smiley umas dez fileiras atrás de nós, numa localização bem pior de que a nossa, embora provavelmente não mais barata. Carruthers troca de lugar com Evelyn para falar de negócios comigo, mas não consigo ouvir uma palavra, por isso troco de lugar com Evelyn para conversar com Courtney.
— Luis é um babaca — grito. — Não desconfia de nada.
— The Edge está usando Armani — berra, apontando para o baixista.
— Não é Armani — grito de volta. — É Empório.
— Não — berra. — É Armani.
— Os cinza são foscos demais, assim como os cinzentos acastanhados e os azuis-marinhos. Lapelas com virado redon do bem firme, sutileza nos xadrezes, nos pois e listras, isso é Armani. Nunca Empório — grito, irritado ao extremo por ela não saber isso, por não diferenciar, estou com as duas mãos tapando as orelhas. — Existe uma diferença. Qual deles é The Ledge?
— O baterista deve ser The Ledge — berra. — Acho que é. Não tenho certeza. Quero um cigarro. Onde estava você naquela noite? Se me disser que estava com Evelyn vou bater em você.
— O baterista não está vestindo nada da Armani — solto um grito estridente. — E nem Empório, se quer saber. Em lugar nenhum.
— Não sei qual deles é o baterista — grita.
— Pergunte à Ashley — sugiro, aos berros.
— Ashley? — berra, esticando o braço por cima de Paul e batendo nas pernas de Ashley. — Qual deles é The Ledge?
— Ashley grita algo para ela que não consigo ouvir e aí Courtney se volta para mim dando de ombros. — Disse que não consegue acreditar que esteja em Nova Jersey.
Carruthers faz sinal para Courtney trocar de lugar com ele. Esta se livra do bobão com um aceno e pega em minha coxa, que reteso deixando-a dura como pedra, e a mão fica ali pousada de um modo admirável. Mas Luis insiste, ela se levanta, grita para mim, 'Acho que seria bom umas drogas hoje à noite!" Faço que sim com a cabeça. O vocalista, Bo-no, está soltando uns guinchos que soam mais ou menos como "Where the Beat Sounds the Same". Evelyn e Ashley saem para comprar cigarros, ir ao toalete, comer alguma coisa. Luis senta-se a meu lado.
— As garotas estão entediadas — Luis berra para mim.
— Courtney quer que a gente consiga um pouco de pó para hoje à noite — grito.
— Ah, beleza — Luis parece aborrecido.
— Estamos com reserva em algum lugar para jantarmos?
— No Brussels — berra, olhando o Rolex. — Mas duvido que a gente chegue a tempo.
— Se não chegarmos a tempo — aviso a ele —, não irei a nenhum outro lugar. Me deixe em casa. — Vai dar tempo — grita.
— Se não der, que tal um japonês? — sugiro, mais brando. — Tem um sushi bar realmente de primeira no Upper West Side. O Blades. O chef já trabalhou no Isoito. O Zagat dá uma ótima cotação.
— Bateman, detesto japoneses — Carruthers grita para mim, com uma das mãos tapando o ouvido. — Uns filhozinhos da puta de olhos puxados.
— O quê — grito —, que diabo você está falando?
— Ah sei, sei — grita, os olhos esbugalhados. — Eles poupam mais do que nós e não inventam muito mas sabem para cacete como se apossar, roubar nossas inovações, melhorá-las um pouco, depois enfiá-las pelas nossas goelas adentro!
Fico olhando espantado, sem acreditar por um instante, depois olho para o palco, para o guitarrista que está correndo em círculos, os braços de Bono bem abertos enquanto corre para frente e para trás em todo o comprimento de sua parte do tablado, aí me volto para Luis cujo rosto está ainda avermelhado de raiva e ele continua me olhando fixamente, olhos arregalados, cuspe no lábio, sem dizer nada.
— E que diabo tem tudo isso a ver com o Bladesi — pergunto
afinal, confuso de verdade. — Limpe a boca.
— É por isso que detesto comida japonesa — berra de volta. —
Sashimi. Sushi Califórnia. Ai, meu deus. — Faz um gesto cômico, com um dedo metido na garganta.
— Carruthers... — paro, olhando ainda para ele, examinando-lhe o rosto com atenção, meio perturbado, incapaz de me lembrar o que queria dizer.
— O quê, Bateman? — Carruthers pergunta, inclinando- se até mim.
— Ouça, não acredito nesse papo-furado — berro. — Não acredito que não fez reservas para mais tarde. Vamos acabar tendo de esperar.
— O quê? — pergunta, fazendo com a mão uma concha na orelha, como se fizesse diferença. — Vamos acabar tendo de esperar — berro mais alto.
— Isso não é problema — berra.
O vocalista estica os braços para nós, do palco, a mão toda aberta, faço um aceno dispensando-o.
— Está OK? Está OK? Não, Luis. Você está errado. Não está OK.
Olho para Paul Owen, que parece igualmente entediado, tampando os ouvidos com as mãos, mas mesmo assim conseguindo consultar Courtney a respeito de algo.
— Não teremos de esperar — Luis grita. — Prometo.
— Não prometa nada, seu palhaço. Paul Owen está ainda cuidando da conta Fisher? — grito.
— Não quero que fique zangado comigo, Patrick — Luis berra em desespero. — Vai dar tudo certo.
— Santo deus, esqueça — berro. — Agora me ouça: Paul Owen ainda cuida da conta Fisher? Carruthers olha para ele e depois para mim de novo:
— É sim, acho. Ouvi dizer que Ashley tem ácido.
— Vou falar com ele — grito, me erguendo, sentando no lugar vago junto a Owen.
Mas quando me sento algo estranho no palco atrai meu olhar. Bono agora se deslocou pelo palco, seguindo-me até a altura da poltrona, e fica me encarando nos olhos, ajoelhado na borda do palco, usando jeans preto (talvez da Gitano), sandálias, um casaco de couro sem camisa por baixo.
Tem o corpo bem branco, molhado de suor, com pouca malhação em cima, não tem tônus muscular nenhum e qualquer possível distinção física está encoberta sob uma quantidade insignificante de pêlos no peito. Está usando chapéu de caubói, tem o cabelo puxado para trás num rabo-de-cavalo e está gemendo algo triste — pego no ar as palavras "O herói é um inseto no mundo". Ele traz nos lábios um sorriso de escárnio, embora sutil e que mal dá para se notar, o sorriso cresce, espraiando-se com. firmeza no rosto, e quando seus olhos ficam flamej antes, a tela de fundo do palco fica vermelha e num instante sou invadido por esta onda de emoção, esta descarga de sabedoria, consigo enxergar dentro do coração de Bono e o meu próprio começa a bater mais rápido por causa disto e me dou conta de que estou
recebendo algum tipo de mensagem do cantor. Me ocorre que temos algo em comum, que temos um vínculo, não fica impossível acreditar que um fio invisível atado a Bono me envolve neste instante, e agora a platéia desaparece, torna-se mais lenta a música, mais suave, e sobre o palco apenas Bono — o estádio está deserto, o conjunto gradualmente vai sumindo
— e a mensagem, a mensagem dele, de início vaga, torna-se mais forte agora e ele fica balançando a cabeça para mim, faço o mesmo de volta, tudo vai ficando mais nítido, meu corpo vivo e ardente, em fogo, e vindo de nenhum lugar um lampejo de luz branca e ofuscante me envolve e posso ouvir, de fato posso sentir, até mesmo perceber as letras da mensagem pairando sobre a cabeça de Bono em letras cor-de-laranja ondulantes: "Sou... o... demônio... e sou... igual... a... você...”
E aí todo mundo, a platéia, o conjunto, ressurge e a música cresce aos poucos novamente e Bono, percebendo que captei a mensagem — de fato sei que sente a minha reação — fica satisfeito, dá as costas e fico aqui largado, o corpo formigando, o rosto ruborizado, uma ereção dolorida latejando junto a minha coxa, as mãos cerradas em punhos crispados de
tensão. Mas de repente isso tudo pára, como se uma chave fosse desligada, a tela de fundo lampeja de volta para o branco. Bo-no — o demônio — está agora do outro lado do palco e tudo, o sentimento no coração, a sensação de estar com o cérebro eriçado por dentro, desaparece e agora mais do que nunca preciso saber sobre a conta Fisher que Owen administra, essa informação parece-me vital, mais pertinente do que o vínculo de semelhança
que tenho com Bono, que agora gradualmente vai desaparecendo na distância. Volto-me para Paul Owen.
— Oi — grito. — Que tal?
— Aqueles caras ali... — Faz um gesto indicando um grupo de ajudantes da produção do show em pé na ponta oposta da fila da frente, examinando a multidão e confabulando entre si. — Estavam apontando para cá, para Evelyn, Courtney e Ashley.
— Quem são? — berro. — São da Oppenheimer?
— Não — Owen grita de volta. — Acho que é uma tur ma que segue o conjunto, estão à cata de garotas que levam para os bastidores para fazerem sexo com o conjunto.
— Ah — grito. — Achei que talvez trabalhassem na Barney's.
— Não — berra. — Chamam-nos de contra-regras.
— Como sabe disso?
— Tenho um primo que trabalha para o Ali We Need of Hell — grita.
— Fico irritado com o fato de você saber disso — digo.
— O quê? — berra.
— Você ainda cuida da conta Fisher? — berro de volta.
— Pode crer — grita. — Dei azar, hã, Marcus?
— Deu sim — grito. — Como conseguiu?
— Bem, já estava com a conta Ransom e as coisas foram se ajeitando nos lugares. — Dá de ombros com displicência, o filho da puta. — Sabe?
— Poxa — grito.
— É isso aí — berra de volta, depois se vira na poltrona e grita para duas garotas gordas de Nova Jersey com cara de burras, elas estão passando uma para outra um baseado grande demais, uma das vacas está enrolada no que acho que é uma bandeira irlandesa.
— Poderiam por favor afastar esse matinho de bosta — isso fede.
— Quero um pouco — grito, examinando o partido per feito, liso, de seu cabelo; até o couro cabeludo é bronzeado.
— Você quer o quê? — grita de volta. — Maconha?
— Não. Nada — grito, a garganta arranhando, e me afundo novamente na poltrona, com um olhar vazio para o palco, roendo a unha do polegar, estragando a manicure de ontem.
Vamos embora depois que Evelyn e Ashley retornam e mais tarde, na limusine correndo de volta a Manhattan para fazermos as reservas no Brussels, abre-se outra garrafa de Cristal. Reagan continua no aparelho de TV, Evelyn e Ashley nos contam que dois seguranças abordaram-nas perto do toalete, queriam que fossem para os bastidores. Explico quem eram e a que propósito servem.
— Meu deus — Evelyn dá um grito sufocado. — Está me dizendo
que fui arranjada!
— Aposto que Bono tem pau pequeno — Owen diz, olhando para fora da janela. — Ele é irlandês, vocês sabem.
— Acha que tem um caixa automático lá perto?
— Ashley — Evelyn exclama. — Ouviu isso? Fomos arranjadas.
— Como está meu cabelo? — pergunto.
— Mais Cristal? — Courtney pergunta a Luis.

Almoço com Bethany

— Como foi o show? — pergunta. — Gostei muito do novo CD deles.
— O grupo estava ótimo, ótimo mesmo, de verdade. Ótimo... — faço uma pausa, sem saber bem o que dizer. Bethany levanta as sobrancelhas cheia de curiosidade, querendo saber mais. — Completamente... irlandês mesmo.
— Ouvi dizer que são muito bons ao vivo — diz, e sua própria voz traz uma cadência alegre, musical à frase. —

Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...