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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O Monstro Dos Estádios Se Sofisticou: U2 em Wembley - 1993


Wembley Stadium (Londres)

"Television, The Drug Of The Nation" cantam os Disposable Heroes Of Hiphoprisy pelos alto-falantes, anunciando o começo do evento. Prontos os fãs presentes estão há meses, lendo reportagens elogiosas, vendo Bono posar ao lado do escritor Salman Rushdie para os jornais, assistindo a Adam Clayton e sua noiva top model desfilarem pelas colunas de fofocas; decorando listas de leituras (William Gibson, Charles Bukowski etc,) que acompanham Zooropa. Manipulação pela mídia? Sim, por favor!
A surpresa é que o U2 ainda consiga surpreender depois desse bombardeio. As telas - e há muitas - se acendem no palco e as palavras relampejam alucinadamente (TUDO QUE VOCÊ SABE ESTA ERRADO... SILÊNCIO = MORTE... SEXO... GUERRA... ARTE). 

Ouve-se um murmúrio coletivo de espanto. Por enquanto o visual domina e até que ele mesmo esteja lá em cima, transformado em imagem eletrônica, o próprio Bono quando chega parece pequeno e insignificante apesar do preto brilhante que veste e do andar trôpego. Depois de um "The Fly" de arrepiar e com um controle remoto na mão, ele pula de uma imagem para outra, sem nunca se satisfazer. Tantos canais, nada para se assistir...

Este é um show de pequenos detalhes ao lado de grandes momentos: a mão de Bono estendida durante "Mysterious Ways". tentando tocar na dançarina do ventre que foge graciosa, mas perversamente de seu alcance. "Stay" cantada debaixo de uma chuva que parece sob encomenda. Mensagens antifascistas na tela e "Dancing Queen", do ABBA no palco. Cruzes que pegam fogo ao som de uma "Bullet The Blue Sky" furiosamente pesada.
Bono, sozinho com seu violão, terminando "One" com alguns versos de Unchained Melody", enquanto assistimos a cenas de guerra. Bombas explodem.

O grau de sutileza da ironia deste imenso espetáculo varia: o típico fã do U2 (sim, ele existe; é aquele cara que ignora "Numb" e aplaude loucamente durante os primeiros acordes de "New Year´s Day") engole com facilidade slogans como ESSE MUNDO É SEU, MUDE-O. Quando ACREDITE EM TUDO aparece na tela porém, a digestão é problemática.

Enquanto isso, no palco, a banda passa do íntimo ao grandioso num piscar de olhos. "Running To Stand Still", com seu tema sobre heroína e sua gaita solitária, é logo esquecida em meio à euforia coletiva de "Where The Streets Have No Name" (você já sentiu um estádio chacoalhar?). Neste evento há lugar para tudo, da dor individual à libertação coletiva, dos carros (Trabants, é claro) - pendurados acima do palco à câmera dando um close da virilha de Bono.

Durante o ritual desnecessário da banda se despedir e nós fingirmos que eles não pretendem voltar, os telões nos acalmam com imagens de peixes num aquário. O barulho das bolhas de ar cria um clima quase pensativo no estádio. Hora de refletir sobre a "mensagem"? Confusão? Bombardeio de informação? Mídia como religião? Esqueceram de avisar o público, que veio na esperança de ouvir "Sunday Bloody Sunday".
De repente são os fãs que estão nas telas, em depoimentos colhidos por uma equipe de vídeo antes do show. Um fala sobre seus problemas sexuais, outra da Anistia Internacional, um terceiro, da seleção irlandesa. O rapaz que quer bater o recorde mundial do maior número de pessoas dizendo "fuck" ao mesmo tempo é logo atendido, em altíssimo volume.
Eles voltam, Bono com seu terno dourado, plataformas e chifres: depois de Fly, ele agora é MacPhisto e joga dinheiro para a platéia ao cantar "Desire" - guitarras rasgando e bateria destropando. Seu discurso é desajeitado mas imperdível: ele reclama do estado da nação, do fim dos Smiths, relembra a vitória da Inglaterra na Copa de 66 e resolve telefonar do palco para o atual técnico da seleção. 72 mil pessoas deixam seu recado na secretária eletrônica, cantando "Youl´ll Never Walk Alone", hino dos campos de futebol do país.
MacPhisto está num mood decadentemente romântico, e o final do show acaba sendo o momento mais delicadamente delicioso da noite. Bono canta "Ultraviolet Light My Way", próximo às primeiras fileiras, se contorce todo em "With Or Without You", dança com uma fã durante uma belíssima "Love Is Blindness". O final é magnífico, com o cantor usando com sabedoria seu famoso falsete em "I Can´t Help Falling In Love With You". Elvis entra em seu lugar e o estádio se esvazia melancolicamente.
O U2 em 1993 é um espetáculo inédito. O monstro dos estádios se sofisticou. A ingenuidade cedeu seu lugar ao sarcasmo. Os defeitos se transformaram em qualidades: Bono descobriu como rir da situação de estar numa banda de rock e também que a dramaticidade de sua voz pode ser usada para questionar em vez de afirmar. Quem sabe tenham até concluído que Daniel Lanois era uma má influência - e viva Brian Eno. De vez em quando, porém, o fantasma do Stadium Rock ainda assombra a turnê Zooropa. Ele desponta por exemplo quando Bono canta segurando uma toalha branca e quase sai brandindo-a como bandeira. Ele é enterrado de vez pela imagem que mais fica gravada na memória: Bono enlouquecido no final de "Bullet The Blue Sky", se jogando pelo palco, gritando "fuck you" alucinadamente para os seus telões.

BIZZ
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